Quando há exatos 50 anos 20 milhões de pessoas foram às ruas de diversas cidades norte-americanas para protestar contra a crescente deterioração do meio ambiente, ninguém poderia imaginar que, décadas depois, um vírus evidenciaria com tanta clareza a interdependência entre a saúde do homem e da natureza.
Naquele 22 de abril de 1970, nascia o Dia da Terra, um marco na luta contra os derramamentos de petróleo e emissão de poluentes por indústrias e automóveis, então vistos apenas como sinal de progresso.
Adotado oficialmente pela Organização das Nações Unidas em 2009, o agora chamado Dia Internacional da Mãe Terra evidencia a importante mudança de mentalidade gradativamente conquistada e, ao mesmo tempo, tudo o que ainda está por fazer.
Por um lado, as últimas décadas ficaram positivamente marcadas pela cooperação internacional e pela ação de milhares de organizações da sociedade civil de todo o globo na busca pela sustentabilidade. Momentos importantes nesse sentido foram a Declaração de Estocolmo, fruto da primeira Conferência da ONU sobre o clima, em 1972, bem como a Rio-92, a Rio+20 e o Tratado de Paris, assinado em 2016, exatamente no dia 22 de abril.
Por outro, a grave crise provocada pela Covid-19 tem funcionado como uma espécie de sinal de alerta e laboratório de avaliação dos impactos negativos da ação humana. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), cerca de 60% das doenças infecciosas humanas e 75% das doenças infecciosas emergentes são zoonóticas, ou seja, transmitidas através de animais.
Doenças associadas aos morcegos, como é o caso do novo coronavírus, surgem devido ao desmatamento e à expansão agrícola, que destrói seu habitat natural. A modificação da estrutura populacional da vida selvagem e a redução da biodiversidade, provocadas pela ação humana, favorecem determinados hospedeiros, vetores e/ou patógenos.
A quarentena forçada tem demonstrado como o planeta respira melhor quando o ser humano diminui o ritmo. Na China, houve uma queda de 25% nas emissões de dióxido de carbono durante quatro semanas entre o fim de janeiro e o início de fevereiro, segundo o Centro de Pesquisa sobre Energia e Limpeza do Ar, localizado na Finlândia.
No norte da Itália, o declínio nas emissões de dióxido de nitrogênio entre janeiro e março foi “particularmente evidente”, segundo o pesquisador Claus Zehner, da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês); em Veneza a incomum baixa na circulação de barcos permitiu que peixes fossem vistos nadando em seus canais pela primeira vez em muitos anos.
Medições na concentração de monóxido de carbono relacionada à circulação de automóveis em São Paulo e Nova York apresentam resultados semelhantes: queda de 50%. Na capital paulista, a pesquisa foi realizada pela Cetesb entre 20 e 30 de março, enquanto na metrópole norte-americana o estudo dos pesquisadores da Universidade de Columbia ocorreu na terceira semana de março.
Mas a redução de circulação também tem suas consequências negativas. Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), nas últimas semanas, o volume de lixo não reciclável produzido em todo o globo tem aumentado significativamente e a queda nas exportações agrícolas tem levado ao desperdício de toneladas de alimentos, com a consequente geração de grandes volumes de lixo orgânico.
Mais do que nunca, a complexidade da equação que envolve seres humanos e meio ambiente está em evidência. Mas os recentes acontecimentos têm dado dicas importantes sobre os passos necessários para resolvê-la. Que este Dia Internacional da Mãe Terra marque uma mudança de rota, para que as milhares de vidas perdidas na atual crise não sejam em vão.