Economia Circular

Especialistas explicam o que é Economia Circular, como as populações podem se envolver concretamente com as iniciativas desse modelo e porque é interessante, para as indústrias e empresas, investir no acompanhamento de bens e serviços do início ao fim do ciclo de produção e consumo

Pense rápido: é possível produzir e consumir bens industrializados ou alimentos naturais de uma maneira que os resíduos sejam totalmente reaproveitados e entrem novamente na cadeia de produção? Acertou se respondeu que sim. O que parece sonho faz parte, na verdade, do que é chamado de “economia circular”, que aos poucos se consolida como uma alternativa inteligente para aliar produção e sustentabilidade, economia e meio ambiente. O Agir Ambiental ouviu especialistas na área para provar que, no fim, colocar em prática esse modelo e difundir as iniciativas que já existem é menos complicado do que parece.  

Economia Circular x Economia Linear 

Para entender essa maneira diferente de produzir, consumir e reaproveitar, é mais fácil fazer a comparação com o modo de economia mais comum hoje em dia: a economia linear. Como o nome já diz, o modelo tem como ponto inicial a retirada dos recursos da natureza para a produção de algum bem, passando pelo escoamento e consumo e, no final da linha, gera um resíduo, que é descartado na natureza. Isso gera uma contaminação ambiental sempre crescente. 

“Como na natureza tudo é cíclico, nada se cria, tudo se transforma, esse modelo está fadado ao fracasso. Não adianta tirar recursos da natureza e devolver lixo pensando que esse descarte vai desaparecer. O lixo vai continuar aqui, nos lixões, nos aterros, nos oceanos… Sem contar que os recursos naturais que são extraídos também não são infinitos. A economia linear conta com a lógica do ‘pegar e jogar fora”, explica a gestora ambiental Mariah Campos, assessora de economia circular no Agir Ambiental e embaixadora Lixo Zero de Ribeirão Preto (SP) 

“Como na natureza tudo é cíclico, nada se cria, tudo se transforma, esse modelo está fadado ao fracasso. Não adianta tirar recursos da natureza e devolver lixo pensando que esse descarte vai desaparecer. O lixo vai continuar aqui, nos lixões, nos aterros, nos oceanos… Sem contar que os recursos naturais que são extraídos também não são infinitos. A economia linear conta com a lógica do ‘pegar e jogar fora’”

De acordo com ela, a economia circular propõe uma solução para esse problema: “Ao invés de pensar um tempo de vida curto para as coisas, você pensa em várias estratégias integradas para transformar essa linha em círculo. E isso está mais em sintonia, inclusive, com a forma em que funciona o Planeta Terra”. Ela pontua que, na prática, a economia circular começa com a reformulação do design dos produtos, que passam a ser pensados para facilitar um descarte inteligente, com componentes biodegradáveis ou recicláveis, por exemplo. “Passa por esse design mais inteligente lá na ponta, até o fortalecimento dos diversos componentes envolvidos para amarrar todo o processo. Como é o caso das cooperativas de reciclagem, por exemplo. Pensar uma economia circular é fortalecer essas cooperativas para que elas possam reciclar o máximo possível de materiais”. 

“Só parece, mas não é” 

“Esse nome ‘economia circular’ às vezes assusta um pouco. Até por ter ‘economia’ na frente, parece que é um bicho de sete cabeças, mas é algo bem intuitivo”, garante Cássia Souto, que também é gestora ambiental e assessora de economia circular no Agir Ambiental. Segundo ela, para que a coisa funcione mesmo, a economia circular deve ser um conceito entendido e colocado em prática por todos, a começar por quem elabora as propostas e projetos públicos. Agir de uma maneira circular, inclusive, pode trazer também um alívio para o bolso. 

Cássia acompanha um projeto de compostagem de resíduos orgânicos em residências da cidade de Sertãozinho, em São Paulo. “Quando as pessoas cozinham, produzem resíduo orgânico – cascas de legumes, cascas de ovo, essas coisas. Tudo isso, na verdade é nutriente. Descartar esses resíduos misturados com todos os outros descartes é uma coisa em que todo mundo sai perdendo. Nós pagamos as taxas para a coleta e transporte do lixo, pagamos com a nossa saúde, o meio ambiente paga… Não existe esse ‘fora’ quando jogamos fora as coisas. Tudo fica no nosso planeta”. 

“Quando as pessoas cozinham, produzem resíduo orgânico – cascas de legumes, cascas de ovo, essas coisas. Tudo isso, na verdade é nutriente. Descartar esses resíduos misturados com todos os outros descartes é uma coisa em que todo mundo sai perdendo. Nós pagamos as taxas para a coleta e transporte do lixo, pagamos com a nossa saúde, o meio ambiente paga… Não existe esse ‘fora’ quando jogamos fora as coisas. Tudo fica no nosso planeta”

 

O projeto Composta Sertão, desenvolvido pelo Agir Ambiental em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, pretende distribuir gratuitamente mais de 1.000 composteiras para famílias da cidade, além de atender as 40 escolas públicas municipais para que façam a compostagem e produzam adubos a partir dos restos de alimento. “As pessoas ficam impressionadas, dizem que o volume de lixo descartado diminui muito”, conta a gestora ambiental. Usar o lixo orgânico como adubo para produzir alimento ou devolver de uma forma positiva para a natureza, no caso das plantas ornamentais por exemplo, é uma maneira de fazer com que esse ciclo “circule”. “A economia para os cofres públicos, nesse caso, também é significativa, porque quando o volume de lixo diminui, os gastos com a coleta, o transporte e a manutenção dos aterros também diminuem”. 

Ela já aí, abre o olho! 

Comprar roupas e acessórios em brechós, utilizar produtos que possibilitam o refil do conteúdo interno ou com recipientes retornáveis, como bebidas, por exemplo; consertar aparelhos ao invés de descartá-los. Tudo isso faz parte da economia circular. “Não é parar de consumir, é consumir melhor”, defende Cássia Souto. “Mas é preciso pensar nisso já desde a indústria. Outro dia o meu aspirador de pó quebrou, eu tentei consertar a peça danificada, mas como o produto saiu de linha, a empresa não produz mais aquela peça. Fazendo produtos mais duradouros, sem a obsolescência programada, o benefício a longo prazo é maior”, completa Mariah Campos.  Entenda como funciona a Economia Circular em ciclos técnicos e biológicos abaixo.

Mariah destaca, também, a importância de privilegiar os produtos locais de cada região e de fortalecer as redes regionais de reciclagem. “A Coca-Cola tem as garrafas retornáveis, mas, para algumas regiões do Brasil, é tão difícil receber de volta as garrafas que, quando a gente coloca no cálculo o valor econômico e a emissão de CO2 do transporte, é mais barato e polui menos produzir uma nova”.  

Economia circular pode ser um bom negócio 

Eco-design”, “Design Circular” e “Design for enviroment” são termos comuns no vocabulário de Marcos Iorio, dono da empresa Eco-Circular que faz consultoria sobre embalagens aos moldes da economia circular para indústrias. Na prática, ele ensina a repensar embalagens que possam voltar para fluxos circulares. 

“As pessoas confundem muito a economia circular com a reciclagem. A economia circular é mais sistêmica. Ela tem mais verbos do que ‘reciclar’. Dentro dessa proposta entram ‘reparar’, ‘reutilizar’, ‘repensar’, ‘reduzir’. Quanto mais a gente achar que isso distante, mais a gente está longe da realidade atual. Já ultrapassamos diversos limites planetários, de aspectos que vão tornar inviável a vida humana como a gente conhece. Não existe isso de ‘próximas gerações’, a gente já comendo plástico, acabando com a biodiversidade e sentindo coisas que a gente pensou que só aconteceriam daqui a 50 ou 100 anos’”, explicou ele.  

Segundo Mariah Campos, investir em iniciativas sustentáveis e circulares é um bom negócio: “As empresas que fizerem isso agora estão investindo em um diferencial que tende a ser cada vez mais necessário”. Marcos Iorio concorda: “Por que você precisa trocar a máquina de lavar a cada 4 ou 5 anos? Desenvolver a cultura de ‘alugar’ as peças e pagar a manutenção para as empresas pode ser uma saída. Tem empresas que já fazem assim, e não estão deixando de lucrar com isso”. 

“Me dê motivos”

E se depois de todas essas informações, você ainda não está convencido quanto à viabilidade de se posicionar na economia de uma maneira mais circular, aí estão três razões que podem sustentar esse novo modelo de produção e consumo. 

Do ponto de vista empresarial, é uma maneira de se prevenir quanto à volatilidade dos preços das matérias primas. Repensando o material das embalagens, por exemplo, e garantindo formas para que o consumidor devolva esses resíduos, é um problema a menos na hora de recolocar um produto no mercado.

A Economia Circular pode servir como uma maneira de estabelecer relacionamento com os clientes, um vínculo de devolução de embalagens, por exemplo, pode ser a porta de entrada para o surgimento de uma comunidade. De consumidores, os clientes passam a ser membros de um projeto em comum.

Pode ser um diferencial ir além do “green washing” e realmente se preocupar de maneira séria e consciente com o que se coloca no mundo, enquanto produção, consumo ou descarte.

Me dê números, agora 

E se argumentos não bastam, vamos para as estatísticas. Mesmo que estejamos longe de adotar um modelo 100% circular, uma pesquisa feita em 2019 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) constatou que 76,4% das indústrias brasileiras já adotam alguma inciativa circular, mesmo sem saber. É muito provável que você, consumidor, já esteja comprando produtos ou serviços que estejam alinhados de alguma forma com a Economia Circular.  

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das indústrias brasileiras já adotam alguma inciativa circular

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de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera devido ao descarte correto de lixo eletrônico

Ainda de acordo com a pesquisa, 75,9% das indústrias entrevistadas tinha adotado essa nova forma de produção como uma estratégia para a diminuição dos custos. E, para além do bolso, quem também sai ganhando com a adoção desse sistema é o meio ambiente. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) afirma, em relatório, que a Economia Circular poderia reduzir os resíduos industriais em alguns setores de 80 a 99%, e as emissões de 79 a 99%. 

De acordo com o estudo da Global E-waste Statistics Partnership (GESP) divulgado em 2020, o descarte de lixo eletrônico cresceu 21% mundialmente. A pesquisa analisou os dados entre os anos de 2014 e 2019. Das 54 milhões de toneladas de lixo eletrônico geradas em 2019, 17,4% foi descartada corretamente e destinada a centros de reutilização e reciclagem. Sabe o que isso significou para o planeta? 15 milhões de toneladas de dióxido de carbono a menos na atmosfera. Agora imagina o que significaria descartar corretamente 100% dos produtos que não utilizamos mais? 

O que é preciso para isso? 

Os três especialistas entrevistados pela Agir Ambiental concordam que a implementação da Economia Circular total é necessária, mas que, para chegar lá, é preciso levar em consideração alguns fatores. São eles: 

Mudança cultural

Habituar-se a uma outra forma de consumir. A começar por embalagens com menos plástico, inclusive aqueles que servem como uma espécie de “lacre de segurança”. 

Fortalecimento das cooperativas de reciclagem

Não adianta querer reciclar, se não tivermos quem recicle. E não adianta querer que se aproveite bem os resíduos se as cooperativas não tiverem incentivo para investir em máquinas mais modernas que possibilitariam um maior reaproveitamento dos materiais. 

Maior incentivo do governo

Não somente as indústrias, a população e o meio ambiente saem ganhando, mas também os cofres públicos. Menos lixo nos aterros sanitários significa um menor gasto com a manutenção desses locais, assim como a diminuição do valor do transporte do lixo. Uma forma política de incentivo à Economia Circular pode ser, por exemplo, a diminuição de taxas e de impostos para quem garantir a reciclagem e reutilização de materiais, seja ele um cidadão comum, uma cooperativa ou uma indústria.

Fortalecimento dos produtores locais e das redes mais capilares de produção e consumo

Pensar na devolução de embalagens em um país continental como o Brasil pode ser caro e, na prática, poluir ainda mais o meio ambiente com a emissão de gases durante o transporte. A boa notícia é que isso pode abrir a novos horizontes, como a valorização dos produtos locais ou o fortalecimento de redes regionais de escoamento, que podem ser feitas por pequenas ou grandes empresas.

Prevenção contra catástrofes humanas ou ambientais

Desenvolver o hábito de produção, consumo e reutilização de produtos em uma escala menor pode ser um benefício em casos de desastres políticos ou ambientais, em que regiões do planeta ficam incomunicáveis ou têm a sua produção prejudicada. É o que acontece em contexto de guerras, por exemplo, em que um país ou região deixam de fornecer um determinado produto. 

O que estamos esperando, então? 

Marcos Iorio é quem dá o impulso: “A gente já está respirando plástico, com várias químicas que a gente não entende como funcionam dentro no nosso corpo, a gente está gerando milhões de toneladas de refugo de construção porque não aprendeu ainda a construir de uma maneira sustentável, só 2% dos restos da indústria de alimentos circulam. Não podemos mais deixar para que as próximas gerações façam a mudança. O momento de repensar e redesenhar a maneira como a gente habita nesse planeta é agora. Para isso, a gente tem que lançar mão de algumas estratégias. A Economia Circular é uma delas. É uma estratégia possível para repensar a maneira como a gente utiliza os recursos desse planeta que é um só. O século XXI está aí para a gente redesenhar tudo: a maneira como a gente consome, como vive em comunidade, como a gente desenha produtos e serviços, como se relaciona com todo o ecossistema. A hora de fazer isso é agora!” 

Quer saber mais? Nesse link tem a entrevista completa com o Marcos Iorio, em forma de podcast:

Expediente

Edição | Ana Wolfe
Reportagem | Gustavo Monteiro
Infografia e design gráfico | Tayná Gonçalves
Foto de capa |
unsplash